Senciência e ética

Perguntas e respostas

Estratégias longoprazistas: amplas e direcionadas

Luciano Carlos Cunha[1]

Sumário:

1. O que são estratégias amplas e estratégias direcionadas

Se queremos ter o melhor impacto para todos os seres sencientes, precisamos levar em conta o futuro em longo prazo. Em relação a isso, existem dois grupos principais de estratégias[2]:

  • As estratégias amplas tentam ter o melhor impacto possível em uma grande diversidade de cenários.
  • Já as estratégias direcionada tentam ter o melhor impacto possível em cenários específicos.

2. Vantagens e desvantagens de cada tipo de estratégia

As estratégias direcionadas, por terem um foco muito específico, podem ter um impacto muito grande se ocorrer o cenário para o qual elas são planejadas. Entretanto, também podem ter um impacto muito reduzido ou mesmo nulo se acontecem outros cenários.

Já as estratégias amplas terão um impacto positivo em muitíssimos cenários, talvez em quase todos. Porém, esse impacto será mais reduzido do que o impacto que possuem as estratégias direcionadas quando acontece o cenário para o qual elas são planejadas.

A seguir, veremos alguns exemplos de estratégias ampla e direcionadas.

3. Exemplos de estratégias amplas

3.1. Aumentar a consideração pelos seres sencientes

Um exemplo de estratégia ampla consiste em conseguir mudanças de atitudes a nível social. Para isso, é fundamental divulgar o anti especismo e a consideração por todas as formas de senciência. Adicionalmente, podem ser promovidas mudanças institucionais que reforcem as mudanças de atitudeconseguidas e dificultem futuras regressões. A ideia é que as sociedades aceitem progressivamente a consideração por todos os seres sencientes.

Para ter o melhor impacto, é importante difundir a rejeição de todas as formas de dano que podem sofrer os seres sencientes, e não apenas de algumas. Isso envolve:

  • Abordar todas as causas de dano que podem afetar os seres sencientes (isto é, não apenas os danos que decorrem de sua exploração, mas também os danos que decorrem de processos naturais e outras causas de dano que possam vir a existir no futuro).

3.2. Aumentar nossa capacidade de ação no futuro

Outro exemplo de estratégia ampla consiste em agir agora visando tentar aumentar a nossa capacidade de ação no futuro. A seguir estão alguns exemplos de como isso pode ser feito:

  • Difundir a preocupação com o futuro em longo prazo e com os riscos de sofrimento futuro, pois isso fará com que mais pessoas venham a trabalhar nesse tema.
  • Tentar aumentar os recursos das pessoas interessadas em prevenir sofrimento no futuro. 
  • Aumentar os nossos conhecimentos sobre longo prazo por meio da realização de pesquisas, pois isso nos permitirá:

       (1) Conhecer melhor como planejar as estratégias amplas;

       (2) Identificar novas estratégias direcionadas não consideradas até o momento;

       (3) Elucidar, dentre as estratégias disponíveis, quais têm um maior potencial.

4. Exemplos de estratégias direcionadas

As estratégias direcionadas tratam de cenários específicos. Assim, elas podem ser classifica-las em função do cenário negativo que tratam. A seguir estão alguns exemplos.

4.1 Exemplos de estratégias focadas em evitar a exploração animal

  • Prevenção de novas formas de exploração animal (por exemplo, mediante a proibição do desenvolvimento de novas formas de exploração de invertebrados para consumo[5]).
  • Desenvolvimento de proteínas e de materiais de origem não animal para que substituam aos produtos de origem animal.
  • Tentar prevenir que a inteligência artificial seja utilizada para melhorar a eficiência da exploração animal.

4.2. Exemplos de estratégias focadas em evitar o sofrimento dos animais selvagens

  • Tentar criar e consolidar o campo da biologia do bem-estar[6]. Essa área estudaria os animais em seus ecossistemas do ponto de vista do que poderia afetá-los positiva ou negativamente enquanto indivíduos que possuem um bem-estar (e não enquanto exemplares de espécies ou componentes de ecossistemas). As pesquisas em biologia do bem-estar poderiam orientar os programas para reduzir o sofrimento dos animais selvagens.
  • Estabelecer regulamentação da exploração espacial de maneira que evite a expansão intencional ou acidental de vida para fora do planeta Terra (mesmo da vida não senciente, pois esta poderia após muito tempo evoluir gerando seres sencientes[7]).

4.3. Exemplos de estratégias focadas na consideração por novas formas de senciência

  • Tentar impedir a engenharia de novas formas de senciência, tanto biológica como não biológica.
  • Tentar garantir direitos legais para entidades sencientes não biológicas.
  • Buscar um alinhamento não antropocêntrico da inteligência artificial (isto é, fazer com que a inteligência artificial não tenha valores antropocêntricos).

5. Precauções ao se escolher estratégias longoprazistas

Acima vimos alguns exemplos de estratégias para prevenir o sofrimento em longo prazo. A seguir, estão listadas algumas precauções que devemos tomar ao decidir sobre estratégias:

(1) Não devemos subestimar a complexidade da questão sobre quais as melhores estratégias. Dada a incerteza sobre o futuro, provavelmente não há uma resposta única e conclusiva.

(2) Vieses cognitivos podem nos levar a confiar demais em certas abordagens e a descartar prematuramente outras. Por isso é importante sempre lembrar que podemos estar enviesados em nossas avaliações, cultivar a humildade epistêmica e buscar sempre novas informações.

(3) É importante evitar abordagens que tenham alto risco de fazer com que pessoas que têm outras prioridades rejeitem a proposta de reduzir os riscos-s. É melhor defender metas que podem ser aceitas por um leque amplo de perspectivas.

REFERÊNCIAS

BAUMANN, T. Avoiding the worst final: how to prevent a moral cathastrophe. Center for Reducing Suffering, 2022.

CUNHA, L. C. A situação dos insetos: o quão importante é essa questão? Revista de Filosofia Aurora, v. 35, e202330391, 2023, p. 1-16.

ÉTICA ANIMAL. Biologia do bem-estar. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 8 jul. 2019.

ÉTICA ANIMAL. Textos sobre a exploração de insetos. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 10 fev. 2022.

FARIA, C.; HORTA, O. Welfare biology. In: FISCHER, B. (org.). The routledge handbook Of animal ethics. New York/London: Routledge – Taylor & Francis group, 2020, p. 455-66.

HORTA, O. A seleção de causas: longoprazismo e animais. Youtube, 27 mar. 2023.

O’BRIEN, G. D. Directed Panspermia, Wild Animal Suffering, and the Ethics of World-Creation. Journal of Applied Philosophy, v. 39, n. 1, 2022.

SORYL, A. A.; MOORE, A. J.; SEDDON, P. J.; KING, M. R. The Case for Welfare Biology. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, v. 34, n. 7, 2021.

TOMASIK, B. Why digital sentience is relevant to animal activists. Animal Charity Evaluators. 03 fev. 2015.

Notas:

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Mais sobre estratégias amplas e direcionadas pode ser encontrado em Horta (2023).

[3] Para uma defesa da consideração moral por insetos, ver Cunha (2023).

[4] Sobre essa possibilidade, ver Tomasik (2015) e Baumann (2022, p. 11-16, 19, 50, 52, 58-61, 83-4).

[5] Sobre isso, ver Ética Animal (2022).

[6] Sobre biologia do bem-estar, ver Ética Animal (2019), Faria e Horta (2020) e Soryl et. al. (2021).

[7] Sobre por que a expansão da vida para fora da Terra representa um grande risco de gerar sofrimento em escala astronômica, ver O’brien (2022).

A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.

Luciano Carlos Cunha