Luciano Carlos Cunha[1]
Sumário
1. Introdução
O termo bem-estarismo é altamente ambíguo, pois é utilizado em referência a posições muito diversas entre si e que dizem respeito a diferentes debates. Essa ambiguidade gera frequentemente a crença equivocada de que aceitar/rejeitar determinada posição chamada de bem-estarista implica ter que aceitar/rejeitar outras posições que são chamadas pelo mesmo nome. Como veremos, não há essa implicação, uma vez que tais posições dizem respeito a assuntos diferentes.
A seguir serão explicadas as diversas posições que são normalmente chamadas de bem-estaristas em diferentes questões e serão sugeridos termos substitutos para evitar a confusão.
2. Várias posições chamadas de bem-estaristas
O adjetivo bem-estarista é normalmente utilizado em referência às seguintes posições:
(1) Para a posição que defende que, desde que a exploração animal seja regulamentada para que os animais não sofram (ou, sofram menos, dependendo da variante), ela se torna justa.
Sugestão de substituição: Posição RTJ (no sentido de “regulamentar torna justo”).
As principais críticas a essa posição são: (1) não levar em conta o dano da morte para os animais; (2) violar o princípio da igual consideração e (3) não passar no teste da imparcialidade.
(2) Para a posição que defende que, mesmo que a exploração animal seja regulamentada para que os animais não sofram, ela continua injusta e deveria ser abolida, mas que devemos regulamentá-la porque fazê-lo ajudará gradualmente a aboli-la.
Sugestão de substituição: Posição RAA (no sentido de “regulamentar ajuda a abolir”)
(3) Para a posição que defende que, mesmo que a exploração animal seja regulamentada para que os animais não sofram, ela continua injusta e deveria ser abolida, que regulamentá-la não necessariamente ajudará gradualmente a aboli-la, mas que devemos tentar regulamentá-la porque fazê-lo diminuirá o sofrimento dos animais explorados.
Sugestão de substituição: Posição RDS (no sentido de “regulamentar diminui o sofrimento”)
(4) Para toda e qualquer posição que vise melhorar o bem-estar dos animais, incluindo animais que não são explorados pelos humanos. Por exemplo, por vezes a proposta de ajudar os animais selvagens que são vítimas de processos naturais, por ter como meta a preocupação com o próprio bem dos animais (e não, com valores ambientalistas, centrados em entidades não sencientes) é chamada de bem-estarista nesse sentido (pois é centrada nos seres que possuem um bem-estar, e não em entidades não sencientes). O trabalho de proteção a animais abandonados também por vezes é chamado assim.
Sugestão de substituição: Propostas que tem como meta o bem dos animais
(5) Para posições que defendem que aquilo que possui valor em si é o bem-estar (isto é, a maneira como seres sencientes são afetados positiva ou negativamente), e não, a maneira como entidades não sencientes (como espécies, ecossistemas e organismos vivos não sencientes) são afetados.
O principal argumento a favor do critério da senciência é o argumento da relevância.
Sugestão de substituição: Posições centradas na senciência
(6) Para posições que defendem que, para se avaliar se uma situação que apresenta vários seres sencientes piorou/melhorou em algum aspecto, é preciso que algum ser senciente tenha o seu bem-estar piorado/melhorado.
Esse é um debate que ocorre na ética normativa, por exemplo, entre posições prioritaristas e posições igualitaristas. Por exemplo, comparemos a situação S1, onde A=+15, B=+14 com S2, onde A=+14, B=+14. De acordo com o prioritarismo, S2 não é melhor sob aspecto algum, pois não há ninguém que se encontre melhor em comparação a S1 (na verdade, só há quem se encontre pior). Portanto, o prioritarismo seria bem-estarista nesse sentido do termo. Já igualitaristas diriam que S2 é melhor em pelo menos um aspecto: nela, o bem total está melhor distribuído entre os indivíduos, ainda que S1 possa ser melhor tudo considerado (isto é, levando em conta tudo o que for importante). Nesse outro texto essa questão é discutida em mais detalhes.
Sugestão de substituição: Posições centradas em alterações sobre os níveis de bem-estar
(7) Para teorias sobre de que se constitui o bem-estar dos seres sencientes (que são chamadas de teorias do bem-estar). Há várias teorias desse tipo. Entretanto, todas elas dizem respeito a todas as circunstâncias nas quais um ser senciente seria beneficiado ou prejudicado. Assim, por exemplo, tanto uma visão que defende que a única forma de dano é o sofrimento quanto uma visão que defende que os seres sencientes são também passíveis de ser prejudicados de outras formas (por exemplo, com a morte, com a privação de outros eventos positivos, ou com a privação de outros bens) estão baseadas em alguma teoria sobre de que se constitui o seu bem-estar (no sentido de ser uma teoria sobre o que prejudica ou beneficia os indivíduos).
Aqui você pode ver uma introdução a essas várias teorias.
Sugestão de substituição: Teorias sobre benefício/prejuízo.
3. Conclusão
Como deve estar claro agora, uma vez que cada um desses termos diz respeito a diferentes debates, aceitar/rejeitar cada uma dessas posições não implica necessariamente aceitar/rejeitar a outra.
Notas
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.

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