Se plantas forem consideráveis, tanto faz comer animais ou plantas?

Luciano Carlos Cunha[1]

Um alegado respeito por todos os seres vivos frequentemente é mencionado não com o objetivo de defender os seres vivos não sencientes, mas para tentar justifi­car excluir os animais não humanos da esfera de consideração moral. Por exemplo, é muito comum o apelo a uma suposta consideração pelas plantas como tentativa de justificar o consumo de animais.

Entretanto, esse argumento não conseguiria justificar o que pretende nem mesmo se todos os seres vivos fossem moralmente consideráveis. Isso é assim porque ainda haveria uma razão para priorizar os seres sencientes em situações onde, seja lá o que escolhermos, necessariamente prejudicaremos um ou outro tipo de ser.

A razão é que seres sencientes, devido à possibilidade de experimentarem sofrimento e de serem impedidos de desfrutar de expe­riências positivas (como acontece quando alguém morre, por exemplo), são passíveis de serem prejudicados de formas particularmente graves que nenhum ser não senciente é capaz de ser.

Paul Taylor, um dos principais proponentes do biocentrismo (a visão que defende que todos os seres vivos, sencientes ou não, são moralmente consideráveis), concorda com esse ponto[2]. Ele reconhece que qualquer forma de sofrimento é uma ocorrência intrinsecamente negativa na vida de um ser senciente. Por essa razão, ele conclui que, entre matar plantas ou matar animais sencientes, é menos errado matar plantas se os animais sofrerem.

Poder-se-ia pensar que a mesma visão teria de prescrever que, então, tanto faz matar o ser senciente ou o ser meramente vivo, desde que a morte do ser senciente seja indolor. Contudo, lembremos que Taylor condena causar uma morte com sofrimento devido ao sofrimento ser negativo. Mas, o inverso poderia ser dito do prazer ou da felicidade: são experiências positivas. Uma maneira de um ser senciente ser pre­judicado é com a presença de experiências negativas; mas, outra é com a ausência de experiências positivas (algo que acontece quando morrem[3]).

Se é assim, então toda vez que a morte de um ser senciente impedir o desfrute de experiências positivas, ela é pior do que a morte de um ser meramente vivo (mesmo que a morte seja indo­lor, e mesmo que tivéssemos de considerar todos os seres vivos), pois somente o ser senciente é prejudicado pelo impedimento daquilo que experimentaria de positivo se continuasse vivo. Portanto, mesmo que plantas fossem moralmente consideráveis, isso não justificaria o consumo de animais.

REFERÊNCIAS

CUNHA, L. C. Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas. Curitiba: Appris, 2022a.

CUNHA, L. C. Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente. Curitiba: Appris, 2021.

HORTA, O. Igualitarismo, igualación a la baja, antropocentrismo y valor de la vida. Revista de Filosofía da Universidad Complutense de Madrid,v. 35, n. 1, p. 133-152, 2010c.

HORTA, O. Un desafío para la bioética:la cuestión del especismo. Tese (Doutorado em Filosofia). Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2007.

TAYLOR, P. Respect for nature. Princeton: Princeton University Press, 1986.


NOTAS

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2]  Taylor, 1986, p. 295.

[3] Para um desenvolvimento desse argumento, ver Cunha (2021, p. 59-61, 93-96. 99-112). Sobre o dano da morte para os seres sencientes em geral, ver Horta (2007, p. 537-777; 2010c) e Cunha (2022a, p. 61-92).