Mas, o veganismo tem mesmo um impacto prático?

Luciano Carlos Cunha[1]

No mundo em que vivemos, é quase impossível eliminar totalmente nossa contribuição com a exploração animal, pois quase todos os produtos e serviços envolvem, em algum grau, exploração animal.

Além disso, as técnicas de plantio, colheita e o transporte de mercadorias vegetais também matam acidentalmente animais de pequeno porte (e mesmo intencionalmente, como no caso do extermínio dos animais que consomem a plantação).

Essas constatações são um lembrete importante para tentarmos fazer algo para diminuir as mortes que a produção de alimentos vegetais também causa aos animais. Entretanto, não são uma boa razão para se rejeitar o veganismo, pois o fato de não conseguirmos evitar todo o mal não justifica que não evitemos o máximo que conseguirmos.

O objetivo é evitar prejudicar o maior número de animais, mesmo que não consigamos evitar prejudicar todos. Mesmo que com o veganismo conseguíssemos evitar a morte apenas de um único animal, ainda valeria a pena. Além disso, na realidade, a prática do veganismo evita que uma grande quantidade de animais nasça apenas para sofrer. Vejamos:

Por vezes, algumas pessoas têm a impressão de que o veganismo não tem nenhum impacto prático porque percebem que, apesar do aumento no número de pessoas veganas nas últimas décadas, houve também um aumento na quantidade de animais explorados. Entretanto, isso não mostra que o veganismo não tem um impacto prático. O que é necessário fazer para avaliar o impacto prático do veganismo não é comparar a quantidade de animais explorados atualmente com a quantidade de animais explorados em décadas passadas, mas imaginar como o mundo seria hoje se cada pessoa que é vegana não o fosse. Lembre-se que, se o número de pessoas veganas fosse menor, o número de animais mortos atualmente seria ainda maior do que já é. A seguir, veremos algumas estimativas do impacto prático do veganismo:

Para efeito de argumentação, assumamos que 2 trilhões de vertebrados sejam mortos para consumo anualmente (é provável que a quantidade real seja maior[2]). Levando em conta que a população humana é de aproximadamente 8 bilhões de pessoas, isso representa uma média de 250 animais vertebrados mortos por pessoa por ano. Levando em conta a expectativa de vida média de um humano (75 anos), a prática do veganismo faria com que cada pessoa evitasse a morte de mais de 18 mil vertebrados ao longo da vida.

Essas cifras dizem respeito somente aos vertebrados. Entretanto, a quantidade anual de invertebrados mortos na exploração animal é muito maior: está entre 6 e 25 trilhões de indivíduos[3]. Isso representa uma média de 750 a 3125 invertebrados mortos por pessoa por ano. Levando em conta a expectativa de vida média humana de 75 anos, cada pessoa vegana evitaria a morte de algo entre 56 mil e 230 mil invertebrados ao longo da vida.

REFERÊNCIAS

FISHCOUNT. Fishcount estimates of numbers of individuals killed in (FAO) reported fishery production. Fishcount: Reducing suffering in fisheries, 2019.

OUR WORLD IN DATA. Number of animals slaughtered for meat, World, 1961 to 2018. Our world in data, [s.l.], 2018.

ROWE, A. Insects raised for food and feed — global scale, practices, and policy. Rethink priorities, 29 jun. 2020b.

ROWE, A. Global cochineal production: scale, welfare concerns, and potential interventions. Effective altruism forum, 11 fev. 2020a.

ROWE, A. Silk production: global scale and animal welfare issues. Rethink priorities, 19 abr. 2021.

SANDERS, B. Global Animal Slaughter Statistics And Charts. Faunalytics, 10 out. 2018.

SCHUKRAFT, J. Managed honey bee welfare: problems and potential interventions. Rethink priorities, 14 nov. 2019.


NOTAS

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas (2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Para estatísticas da exploração sobre vertebrados aquáticos, ver Fishcount (2019). Para estatísticas da exploração sobre vertebrados terrestres, ver Our world in data (2018) e Sanders (2018).

[3] Para estatísticas sobre a exploração de invertebrados terrestres, ver Schukraft (2019) e Rowe (2020a, 2020b, 2021). Para estatísticas sobre a exploração de invertebrados aquáticos, ver Fishcount (2019).