Um breve resumo das principais discussões na área de ética animal – PARTE 2

Luciano Carlos Cunha[1]

1.  A situação dos animais selvagens e a proposta de ajudá-los

Como vimos na seção anterior, a maior parte dos programas que lidam com animais selvagens é movido por ideais ambientalistas, onde o bem dos animais não é valorizado em si (e sim, apenas enquanto meio para preservação de espécies e ecossistemas). Contudo, nas últimas décadas, vários autores[2] têm defendido que os programas que lidam com animais selvagens deveriam ter como meta o próprio bem dos animais, buscando prevenir e minimizar o seu sofrimento e suas mortes.

Desde o surgimento da ética animal, seja no que diz respeito a animais domesticados ou selvagens, o foco tem sido geralmente os animais prejudicados por práticas humanas. Contudo, um número crescente de autores[3] têm chamado a atenção para o modo como os animais são prejudicados por processos naturais, sobretudo os animais que vivem na natureza, e tem defendido uma proposta de se pesquisar meios de diminuir esse sofrimento. O argumento central dessa proposta é o de que, se realmente nos importamos com os animais, não limitaremos nossa preocupação aos danos causados por humanos, pois, para os animais não faz diferença se o que lhes causa mal é um humano ou, digamos, a fome ou doenças.           

Nesta seção e nas próximas duas, veremos o debate sobre essa proposta. A seguir discutiremos as objeções[4] que afirmam que não há necessidade de ajudá-los.

ObjeçãoComo a objeção tem sido respondida
Não há necessidade de ajudá-los. Se deixarmos a natureza seguir o seu curso, geralmente terão vidas positivasOs animais na natureza são altamente prejudicados pelos processos naturais. Desnutrição, fome e sede, doenças, lesões físicas, estresse psicológico, eventos meteorológicos hostis, desastres naturais e vários tipos de conflitos entre animais são a norma na natureza. Além disso, a vasta maioria das espécies de animais se reproduz maximizando os filhotes (em ninhadas que vão desde milhares a muitos milhões, dependendo da espécie). Em períodos de aproximada constância populacional, é possível deduzir que, em média, a cada geração está sobrevivendo um único descendente por adulto (isto é, apenas dois por ninhada). Todo o restante da ninhada nasce geralmente apenas para experimentar sofrimento extremo e morrer bastante prematuramente. A quantidade de animais que sofrem e morrem em decorrência dos processos naturais é tão gigantesca que faz até mesmo os números da exploração animal ficarem pequenos em comparação[5].
Muitos ovos são destruídos antes de formarem seres sencientes. Portanto, a quantidade de animais prejudicados é pequena.Mesmo que isso acontecesse com a vasta maioria dos ovos, ainda seria uma quantidade gigantesca de indivíduos que nasceria para uma vida onde predomina largamente o sofrimento. Por exemplo, mesmo se 90% dos 2 milhões de ovos da posta de um bacalhau fossem destruídos antes de formarem seres sencientes, os 10% restantes seriam 200.000 indivíduos.
A maioria dos animais morre muito jovem, e nesse estágio ainda são pouco capazes de sofrer. Portanto, são pouco prejudicados pelo que lhes acontece.Não há evidências de que, por serem muito jovens, sejam pouco capazes de sofrer. Pelo contrário, dado que a maior parte desses animais é precocial, é bem provável que sua capacidade de sentir seja muito aguçada nesse estágio, pois do contrário provavelmente tais espécies não mais existiriam[6]. E mesmo que fossem pouco capazes de sofrer, isso não quer dizer que foram pouco desafortunados, pois a morte prematura agrava o dano da morte (viveram vidas curtas e repletas de sofrimento).

2. O debate sobre a proposta de ajudar os animais selvagens (parte 1)

Nesta seção continuaremos a abordar as objeções mais comuns à proposta de ajudar os animais selvagens e como essas objeções têm sido respondidas.

ObjeçãoComo a objeção tem sido respondida
Intervir na natureza (no território natural e em processos naturais) é sempre errado.Há muitas intervenções na natureza que são amplamente aceitas por quase todo mundo. Por exemplo, aquelas feitas para beneficiar humanos (medicina, agricultura, construção de moradias, escolas, hospitais, bibliotecas etc.) e para alcançar metas ambientalistas (para preservar espécies raras, manter os ecossistemas em certa configuração etc.). Se essas intervenções são justificáveis, então não faz sentido dizer que é errado ajudar os animais selvagens porque envolveria uma intervenção na natureza.
É errado influenciar no destino desses animaisEstaremos influenciando o destino desses animais de qualquer maneira, quer decidamos ajudar, quer decidamos não ajudar.
A proposta é antropocêntrica, pois surge dos humanosO fato de uma proposta ser antropogênica (isto é, surgir dos humanos) não significa que seja antropocêntrica (isto é, sua meta ser exclusivamente beneficiar humanos). A proposta em questão visa beneficiar os animais. 
Quanto menos influência humana, melhor para os animaisNão necessariamente. Teria de ser avaliado, caso a caso, se é agir ou se omitir aquilo que possui os melhores resultados para os animais.
Quanto menos influência humana, melhor (mesmo que isso seja pior para os animais)Essa afirmação só faria sentido se a avaliação sobre se uma situação é “melhor/pior” não devesse levar em conta o modo com os animais são afetados. Mas, uma vez que os animais são também passíveis de serem prejudicados/beneficiados, essa visão parece implausível.
Ajudar violaria a liberdade dos animaisPelo contrário. Ajudar é a única maneira de garantir que eles possam exercer sua liberdade, pois para exercê-la é preciso estar vivo e livre de sofrimento extremo.
A proposta vê os humanos como algo separado da naturezaPelo contrário. É a ideia de que os humanos não devem intervir no território natural que parece ver os humanos como algo separado da natureza. Se enxergarmos os humanos como parte do mundo natural, então os resultados influenciados por práticas humanas não deixam de ser (nem são menos) naturais.
A natureza não é boa nem má. Os processos naturais não são agentes imputáveis. Portanto, não temos razões para ajudar.Isso não faz com que não tenhamos razões para prevenir e minimizar os efeitos negativos que decorrem dos processos naturais (isso já é amplamente aceito quando os humanos são vítimas dos processos naturais). A responsabilidade moral recai sobre nós, em ter que decidir ajudar ou não ajudar.
A natureza é indiferenteSim, mas isso não justifica que nós também devamos ser.
Devemos respeitar a natureza dos animais selvagens, e isso requer largá-los à própria sorteTemos de perguntar: por que devemos respeitar a natureza de alguém? Se a resposta for “porque fazê-lo  o beneficiaria”, então é falso que respeitar a natureza dos animais selvagens requer largá-los à própria sorte, pois isso provavelmente os prejudicaria. Por outro lado, se a resposta for “porque sim, mesmo quando isso os prejudicaria”, então não se está a dar nenhuma razão para explicar por que respeitar a natureza de alguém é mais importante do que evitar prejudicá-lo.
Intervir em conflitos entre animais poderia piorar ainda mais a situação (por exemplo, intervir na predação poderia gerar uma explosão populacional das presas).Em casos onde intervir em conflitos entre animais tiver uma boa probabilidade de piorar ainda mais a situação por conta dos desdobramentos de consequências, a proposta de ajudar os animais selvagens prescreveria não intervir.
A proposta implicaria em intervir em conflitos entre animais, e isso é errado mesmo quando fazê-lo melhorar a situaçãoEssa objeção assume que a ação correta por vezes têm consequências piores do que outros cursos de ação disponíveis. Entretanto, teria de ser explicado por que isso é assim, e a objeção já assume isso de antemão.
O que importa são os ecossistemas e as espécies, e não os animaisSe a questão da consideração moral existe porque, com nossas decisões, é possível beneficiar ou prejudicar os afetados por elas, então para alguém ser moralmente considerável, é suficiente que seja passível de ser prejudicado/beneficiado. Todo ser senciente, por ser capaz de experimentar certos estados como positivos e outros como negativos, é passível de ser prejudicado/beneficiado. Isso parece mostrar que cada ser senciente importa.
Mesmo que os animais importem, ajudar conflitaria com metas ambientalistas, e isso torna errado ajudarNa vasta maioria dos casos não haveria conflito de metas, pois os programas de ajuda não alterariam as propriedades dos ecossistemas que são valorizadas pelo ambientalismo: apenas fariam com que houvesse menos sofrimento  para os habitantes desses ecossistemas. Há vários programas, inclusive, que realizariam ambas as metas. Por exemplo, a vacinação de abelhas[7] previne que uma quantidade enorme de animais sofra por conta de doenças e também ajuda na conservação de espécies.    
Mas, e se em algum caso ajudar conflitar com metas ambientalistas, não seria errado ajudar?Haver conflito por si só é insuficiente para fundamentar a conclusão de que não devemos ajudar. Teria de ser mostrado: (1) que devemos acatar as metas ambientalistas e que (2) essas metas são mais importantes do que os interesses básicos dos animais (como não sofrer e não morrer). Mesmo que o ponto 1 fosse demonstrado, poderiam ser endereçadas razões para se rejeitar o ponto 2. Por exemplo, poderia ser dito que somente os seres sencientes são prejudicados pelo sofrimento e pela morte. Assim, quando houvesse conflito, haveria razões para se priorizar os interesses básicos dos seres sencientes. Isso já é aceito pelos ambientalistas no caso humano: defendem limitar interesses não básicos de humanos (estéticos, econômicos, recreativos etc.) para alcançar suas metas, mas não defendem que isso justifica causar sofrimento e mortes a humanos.

3. O debate sobre a proposta de ajudar os animais selvagens (parte 2)

Nesta seção veremos a última parte das objeções mais comuns à proposta de ajudar os animais selvagens e as respostas que têm sido dadas a elas. Nesta seção, veremos objeções que questionam a praticidade de tal proposta.

ObjeçãoComo a objeção tem sido respondida
É errado ajudar, pois a  humanidade é moralmente responsável apenas por práticas humanasMesmo se fosse esse o caso, isso significaria apenas que não há dever de ajudar (e não, que é errado ajudar). Ajudar poderia ser ainda permissível, ou mesmo louvável. Além disso, poderia ser dito que somos moralmente responsáveis por uma decisão toda vez que ela for determinante para os resultados serem dessa ou daquela maneira, e isso não se limita a práticas humanas. Por exemplo, se os médicos têm obrigação de atender vítimas de doenças causadas naturalmente, então é falso que somos responsáveis apenas por práticas humanas.
Não temos relação de proximidade com esses animais. Por isso, a humanidade não tem obrigação de destinar recursos para ajudá-los.A ausência de relação de proximidade parece insuficiente para mostrar que a humanidade não tem obrigação de destinar recursos para ajudá-los, pois nossa decisão por ajudar ou não ajudar, mesmo que à distância, influencia diretamente em sua situação (o mesmo acontece em relação a vítimas humanas de desastres naturais em locais distantes, por exemplo).
Ainda que haja um dever geral de ajudar, não há dever de ajudar essa causa em especialRejeitaremos essa posição se aceitarmos que devemos priorizar as causas proporcionalmente ao número de vítimas, ao montante total de sofrimento e ao grau com que a causa é negligenciada. Segundo esses critérios, a causa que visa diminuir o sofrimento dos animais selvagens deveria receber uma grande atenção.
A proposta é exigente demaisTal proposta exigiria muito pouco de cada pessoa, pois quem faria as intervenções seriam os profissionais que já trabalham nesse campo (como biólogos e etólogos). Cada pessoa teria apenas o dever de chamar a atenção para a importância dessa questão e reivindicar que recursos fossem empregues em tratá-la. Os profissionais das ciências da vida, por sua vez, continuariam a fazer o seu trabalho normalmente, com a diferença que agora suas pesquisas seriam direcionadas por uma preocupação direta com o bem dos animais.
Não há o que fazer para ajudarOs animais já vem sendo ajudados com vacinação e tratamento de doenças, em incêndios e em outros desastres naturais, com assistência a animais órfãos, resgate de animais presos e programas para atender as necessidades básicas dos animais.
É impossível ajudar todos os que precisamSim, mas para cada animal ajudado, a ajuda faz toda diferença.
O problema tem tantas vítimas que, mesmo que conseguíssemos ajudar em larga escala, isso seria ainda uma porcentagem pequena do problemaA porcentagem não importa, e sim, a quantidade real de bem que poderíamos fazer. Por exemplo, suponha que com um mesmo recurso podemos, ou ajudar 90% dos animais do problema A, ou ajudar em igual medida 0,1% dos animais do problema B (que estão todos em uma situação igualmente ruim à dos animais do problema A). Se nos guiarmos pela proporção, ajudaremos os 90%. Mas, suponhamos que o problema A tenha um trilhão de animais, e o problema B tenha um quatrilhão. 90% de um trilhão são 900 bilhões. 0,1% de um quatrilhão é um trilhão. Resolver 0,1% do problema B é ajudar 100 bilhões de animais a mais, com o mesmo recurso.
E difícil prever as consequências de longo prazo. Ajudar poderia piorar as coisas ainda mais. Melhor não tentar ajudar.Se é difícil prever as consequências de longo prazo, então não podemos saber que não ajudar tem as melhores consequências. O que teríamos de fazer é cada vez mais pesquisar a fundo como se dão as interações nos ecossistemas (dos animais entre si e com o seu entorno). Fazendo isso, aumentaria cada vez mais o nosso conhecimento sobre a probabilidade dos desdobramentos de consequências em longo prazo, o que permitiria planejar programas de ajuda cada vez mais seguros e eficientes.
Essa proposta não pode ser cientificamente bem informada.Os dados da ciência da ecologia tem sido utilizados predominantemente para alcançar metas antropocêntricas e ambientalistas, mas poderiam ser utilizados também para orientar programas que visam prevenir o sofrimento dos animais. Além disso, à medida que progredisse o desenvolvimento da área da biologia do bem-estar[8] (que estudaria os animais em seus ambientes do ponto de vista do que lhes afeta positiva ou negativamente, e não enquanto componentes de ecossistemas ou exemplares de espécies) haveria cada vez mais dados que poderiam informar cientificamente os programas de ajuda.

4. Quais critérios utilizar para ajudar de modo eficiente?

Suponha que temos como objetivo sermos o mais eficiente possível em tornar o mundo um lugar menos ruim. Que critérios podemos utilizar para selecionar quais causas priorizar, quais problemas priorizar dentro dessas causas e para escolher as estratégias? A seguir está uma lista de critérios que têm sido propostos[9].

Critérios e questõesExplicação
Gravidade da situaçãoNormalmente é medida em termos da: (1) Quantidade de vítimas (2) O quão ruim é a situação de cada vítima
Quando um problema tem mais vítimas, mas em outro as vítimas estão na pior situação, como proceder?Temos de perguntar:
(1) O quão pior precisa ser a situação da minoria para que tenham prioridade?
(2) O quão maior precisa ser o número de vítimas que não estão na pior situação para que tenham prioridade?
Tratabilidade do problemaProblema A: 900 mil vítimas. Problema B: 500 mil vítimas. As vítimas de A e B estão em situações igualmente ruins. Pela gravidade da situação, devemos priorizar A. Mas, suponha que, com os recursos que temos, podemos, ou ajudar 400 mil vítimas de A, ou ajudar em igual medida 450 mil vítimas de B. Assim, apesar de A ser uma situação pior, é B que apresenta a pior situação possível de ser melhorada.
Grau de negligênciaQuanto maior a quantidade de pessoas já envolvidas em tentar resolver um problema, maior a probabilidade de o problema ser minimizado sem a nossa ajuda. Quando mais negligenciada uma causa, cada pessoa adicional faz mais diferença.
Tamanho do benefício a ser causadoImagine que o problema A tem 100 vítimas com sofrimento de -50.  O problema B tem 90 vítimas com sofrimento de -40. Ou seja, A é mais grave. Ambos os problemas são igualmente negligenciados e é possível ajudar todas as vítimas de um e de outro. Contudo, imagine que, com uma mesma quantidade de recursos, podemos: ou passar todas as vítimas de A de -50 para -49 (um alívio muito leve), ou passar todas as vítimas de B de -40 para -10 (um alívio considerável). Priorizando B causaríamos um bem maior com a mesma quantidade de recursos.
O tamanho do benefício é sempre o fator mais importante?Suponhamos que, no exemplo acima, a decisão fosse entre: ou passar as 100 vítimas de A de -50 para -30 (benefício total = 2.000), ou passar as 90 vítimas de B de -40 para -10 (benefício total = 2.700). Nesse caso, algumas pessoas diriam que devemos escolher a primeira opção (pois o benefício vai para as vítimas que estão na pior situação e beneficia um número maior de vítimas), mesmo que na segunda opção produzamos um benefício maior (para cada vítima ou na soma total).
Como saber quando pesa mais o tamanho do benefício e quando pesa mais a gravidade da situação?Há várias maneiras possíveis de se proceder. Uma possibilidade seria buscar maximizar os benefícios, mas defender que uma unidade de benefício tem mais valor quanto mais grave for o problema ao qual seria direcionado esse benefício.
Por que é crucial tentar estimar os efeitos de longo prazo?Comparando-se duas estratégias, é possível que uma cause mais benefícios inicialmente, mas que, levando em conta os efeitos de longo prazo, seja a outra que causará um benefício total maior. Também é possível que uma estratégia cause grandes benefícios em curto prazo mas tenha efeitos negativos em longo prazo, podendo até mesmo ter um saldo total negativo.

5. Quais problemas afetam as maiores quantidades de animais?

5.1. Animais explorados

Ativistas da causa animal, com vistas a mostrar o quão grande é a quantidade de animais mortos para consumo, costumam dizer que cerca de 80 bilhões de animais são mortos mundialmente por ano. Entretanto, essa cifra mencionada diz respeito apenas a mamíferos e aves. A quantidade de animais mortos é enormemente maior. A seguir estão alguns dados sobre mortes anuais de animais explorados para consumo (que é, dentre todas as formas de exploração animal, disparadamente a que mata a maior quantidade de animais).

Tipo de exploração para consumoAnimais mortos mundialmente por ano
Mamíferos e avesEm torno de 80 bilhões[10]
Peixes criados em fábricasEntre 51 e 167 bilhões[11].
Peixes capturados diretamente no marEntre 787 bilhões e 2,3 trilhões[12].
Animais aquáticos utilizados como ração para os peixes criados para consumoEntre 462 bilhões e 1,1 trilhão[13].
Crustáceos criados em fábricasEntre 255 e 604 bilhões[14].
Bichos-da-seda para produção de sedaEntre 420 bilhões e 1 trilhão[15]
Insetos mortos para consumoEntre 2 e 3,2 trilhões[16]
Cochonilhas na produção do corante carmimEntre 4,6 e 21 trilhões[17].
Camarões pescados diretamente no marEm torno de 25 trilhões[18]

A soma desses números sugere que são mortos algo entre 34 e 54 trilhões de animais anualmente em nível global. Isso significa que os 80 bilhões, normalmente mencionados pelos ativistas, representam apenas algo entre 0,1 % e 0,2% dos animais mortos para consumo.

5.2. Animais na natureza

Não há estatísticas sobre o número de mortes anuais dos animais na natureza, em decorrência dos processos naturais. Mas, para termos uma ideia da diferença de proporção, podemos fazer uma comparação com as populações em um dado momento.

  • A população total de animais sencientes na natureza em um dado momento estaria, de acordo com certas estimativas entre 1 a 10 quintilhões de indivíduos[19].
  • Comparemos, por exemplo, com a população mundial em um dado momento de animais criados como estoque para serem explorados:
  • Vertebrados terrestres: 24 bilhões[20].
  • Peixes: 180 bilhões[21].
  • Camarões: 230 bilhões[22].

Se fizermos uma analogia com o período de um ano, a soma das populações de animais na exploração representariam no máximo 14 segundos. Todo o restante do ano seriam os animais na natureza. Isso nos dá uma dimensão aproximada do quão grande é a quantidade de animais na natureza.

5.3. O futuro

Esses números, tanto dos animais prejudicados por práticas humanas quanto dos prejudicados por processos naturais, podem vir a serem astronomicamente maiores no futuro. Por isso, nos últimos anos vêm crescendo o debate sobre a importância de como nossas decisões afetam o futuro em longo prazo, como veremos na próxima seção.

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Notas

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Ver por exemplo Sapontzis (1984), Bonnardel (1996), Cowen (2003), Horta (2010, 2017), Tomasik (2015), McMahan (2015),Torres Aldave (2015), Faria (2016), Johannsen (2020) e Cunha (2022).

[3] Ver nota anterior.

[4] Para objeções à proposta, ver Taylor (1986), Callicott (1980), Baldner (1990), Kirkwood e Sainsbury (1996), Everett (2001), Bovenkerk et. al. (2003), Clement (2003), Simmons (2009), Hills (2010) e Groff e Ng (2019).

[5] Para uma comparação, ver Tomasik (2019).

[6] Sobre senciência em animais juvenis, ver Ética Animal (2022).

[7] Sobre vacinação de abelhas, ver Raukko (2018).

[8] Sobre biologia do bem-estar, ver Faria e Horta (2020) e Soryl et. al. (2021).

[9] Para uma discussão sobre esses critérios, ver Cunha (2021. p; 193-228), Dickens (2021) e Simčikas (2021).

[10] Our World in Data (2018), Sanders (2018).

[11] Fishcount (2019).

[12]Id.

[13] Id.

[14]Id.                                

[15] Rowe (2021).

[16] Rowe (2020b).

[17] Rowe (2020a).

[18] Waldhorn, Autric (2023).

[19] Ver National Museum of Natural History & Smithsonian Institution (2008) e Tomasik (2019a).

[20] Tomasik (2019).

[21] Fishcount (2019b).

[22] Waldhorn, Autric (2023).


A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.