De que consiste o foco nos riscos-s?

Luciano Carlos Cunha[1]

Sumário:

1. Introdução

Nesse texto abordaremos o que Baumann (2022, p. 36-40) explica como sendo o foco nos riscos-s, qual a relação disso com a maneira como o sofrimento pode estar distribuído ao longo do futuro, e qual a diferença entre foco nos riscos-s e foco estreito.

Riscos-s são os riscos de que no futuro ocorram eventos que resultem em sofrimento de magnitude gigantesca, que excede o sofrimento existente na Terra até agora.

Por vezes é defendido que a maneira mais eficiente de evitar sofrimento na história de mundo daqui para frente é focar em evitar riscos-s, pois magnitude do sofrimento nesses casos pode ser tão astronômica, que representariam a maior parte do sofrimento futuro. Esse é o chamado foco nos riscos-s.

Entretanto, alguém poderia ter a meta de reduzir o sofrimento futuro da maneira mais eficiente possível, mas rejeitar o foco nos riscos-s por acreditar que a maior parte do sofrimento futuro ocorrerá somando-se cenários que são ruins, mas não a ponto de serem riscos-s.

Por essa razão, a seguir investigaremos sobre a probabilidade de o sofrimento futuro estar distribuído dessa ou daquela maneira.

2. Como será provavelmente a distribuição do sofrimento ao longo do futuro?

Baumann (2022, p. 37-8) observa que muitos fenômenos possuem o que é chamado de distribuição de cauda pesada. Por exemplo, se somarmos todas as mortes por guerras ou terremotos ao longo da história, a maioria ocorreu em um pequeno número dos piores casos. O mesmo pode ocorrer quanto ao sofrimento futuro: uma boa porcentagem dele poderá estar concentrada nos riscos-s mais extremos.

Uma distribuição pode ser de cauda pesada em maior ou menor grau. Uma razão para se pensar que o sofrimento futuro será de cauda pesada em alto grau é que a escala do sofrimento futuro pode variar em muitas ordens de magnitude (por exemplo, devido ao potencial de colonização espacial[2] ou de senciência digital[3]). Então, poderia ter picos acentuadíssimos.

3. O foco nos riscos-s não implica um foco estreito

O foco nos piores casos não implica focar em apenas alguns poucos riscos-s que alguém considera os piores de todos. Pelo seguinte:

  • Mesmo se o sofrimento futuro tiver uma distribuição de cauda pesada,  isso não significa que a maior parte do sofrimento futuro esperável surja a partir de poucos casos específicos de riscos-s.
  • Nos fenômenos com distribuição de cauda pesada raramente 0,1% dos casos mais extremos contêm 99% da distribuição total. Assim, faz sentido focar, por exemplo, nos 10% piores resultados, em vez de focar nos piores 0,1%.
  • Mesmo 1% dos riscos-s mais severos podem ainda ocorrer em cenários muito diversos, com fontes de sofrimento muito diversas.
  • Mesmo se a maior parte do sofrimento futuro ocorrer em um número limitado de piores cenários bem específicos, podemos estar enganados sobre quais serão esses cenários.
  • Também poderá haver uma cauda positiva no futuro, que viria da oportunidade de reduzir, por exemplo, os riscos-s naturais[4]. Assim, devemos tentar reduzir a cauda negativa e aumentar a positiva e, por isso, preferir intervenções que cubram muitos tipos de cenários.

Baumann (2022, p. 39) conclui que todas essas observações são sobre o que deveríamos fazer enquanto grupo. Individualmente, pode fazer sentido se especializar em um leque estreito de riscos, desde que nossos esforços coletivos cubram um leque amplo de riscos.

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REFERÊNCIAS

BAUMANN, T. Avoiding the worst final: how to prevent a moral cathastrophe. Center for Reducing Suffering, 2022.

CUNHA, L. C. Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas. Curitiba: Appris, 2022.

ÉTICA ANIMAL. Introdução ao sofrimento dos animais selvagens. Oakland: Ética Animal, 2023 [2020].

O’BRIEN, G. D. Directed Panspermia, Wild Animal Suffering, and the Ethics of World-Creation. Journal of Applied Philosophy, v. 39, n. 1, 2022.

TOMASIK, B. Why digital sentience is relevant to animal activists. Animal Charity Evaluators. 03 fev. 2015.


Notas:

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Sobre por que isso é um risco-s, ver O’brien (2022).

[3] Sobre por que isso é um risco-s, ver Tomasik (2015) e Baumann (2022, p. 11-16, 19, 50, 52, 58-61, 83-4).

[4] Sobre a maneira como os processos naturais tipicamente prejudicam em larga escala os animais não humanos, ver Cunha (2022) e Ética Animal (2023[2020]).


A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.