Estratégias para prevenir sofrimento em longo prazo – Um breve resumo

Se nosso objetivo é que nossas decisões tenham o melhor impacto para todos os seres sencientes, precisamos levar em conta o seu impacto no longo prazo[1]. Em relação a isso, existem dois grupos principais de estratégias longoprazistas:

EstratégiaAmplaDirecionada
De que consisteTentar ter o melhor impacto possível em uma grande diversidade de cenários.Tentar ter o melhor impacto possível em cenários específicos.
VantagemTerão um impacto positivo em muitíssimos cenários, talvez em quase todos.Podem ter um impacto muito grande se ocorrer o cenário que elas tratam.
DesvantagemEsse impacto é mais reduzido do que o das estratégias direcionadas quando acontece o cenário para o qual elas são planejadas.Podem ter um impacto muito reduzido ou mesmo nulo se acontecem outros cenários.

Os quadros a seguir mostram alguns exemplos de estratégias amplas e direcionadas:

Exemplos de estratégias amplas
TipoExemplo
Aumentar a consideração pelos seres sencientesDefender a consideração moral de todos os seres sencientes (focando nos mais negligenciados, como os animais aquáticos e invertebrados, e as novas formas de senciência que podem vir a surgir no futuro). Abordar todas as causas de dano para os seres sencientes (quer as causadas pela sua exploração, quer às devidas à sua situação no mundo selvagem em decorrência de processos naturais, quer outras que possam vir a existir no futuro). Promover mudanças institucionais que reforcem as mudanças de atitudeconseguidas e dificultem futuras regressões.
Aumentar nossa capacidade de ação no futuroDifundir a preocupação com o futuro em longo prazo e com os riscos de sofrimento futuro, (isso fará com que mais pessoas venham a trabalhar nesse tema).Tentar aumentar os recursos das pessoas interessadas em prevenir o sofrimento futuro.  Aumentar os nossos conhecimentos sobre longo prazo. Isso nos permitirá: (1) conhecer melhor como planejar as estratégias; (2) identificar estratégias ainda não consideradas e (3) elucidar, dentre as estratégias disponíveis, quais têm um maior potencial.
Exemplos de estratégias direcionadas
TipoExemplo
Foco em evitar a exploração animalPrevenção de novas formas de exploração animal (por exemplo, mediante a proibição de novas formas de exploração de invertebrados para consumo).Desenvolvimento de proteínas e de materiais de origem não animal para que substituam os de origem animal. Tentar prevenir que a inteligência artificial seja utilizada para melhorar a eficiência da exploração animal.
Foco em evitar o sofrimento dos animais selvagensCriar e consolidar o campo da biologia do bem-estar[2]. Estabelecer regulamentação da exploração espacial de maneira que evite a expansão intencional ou acidental de vida para fora do planeta Terra (mesmo da vida não senciente, pois esta poderia após muito tempo evoluir gerando seres sencientes).
Foco na consideração por novas formas de senciência  Tentar impedir a engenharia de novas formas de senciência, tanto biológica como não biológica.Tentar garantir direitos legais para entidades sencientes não biológicas.Buscar um alinhamento não antropocêntrico da inteligência artificial.

Precauções ao se escolher estratégias longoprazistas

Vimos alguns exemplos de estratégias para prevenir o sofrimento em longo prazo. A seguir, estão algumas precauções que devemos tomar ao escolhê-las:

RiscoPrecaução
Subestimar a complexidade da questãoDada a incerteza sobre o futuro, lembrar que provavelmente não há uma resposta única e conclusiva.
Vieses cognitivos podem nos levar a confiar demais em certas abordagens e descartar prematuramente outras. Temos a tendência de negligenciar os possíveis efeitos negativos das abordagens com as quais simpatizamos e os possíveis efeitos positivos das abordagens com as quais não simpatizamos inicialmente.Lembrar que podemos estar enviesados em nossas avaliações, cultivar a humildade epistêmica e buscar sempre novas informações.
Certas abordagens possuem um alto risco de fazer com que pessoas que possuem outras prioridades rejeitem reduzir os riscos-s[3]É melhor defender metas que podem ser aceitas por um leque amplo de perspectivas.

Mais sobre esse último ponto pode ser encontrado neste resumo.

REFERÊNCIAS

BAUMANN, T. Avoiding the worst final: how to prevent a moral cathastrophe. Center for Reducing Suffering, 2022.

BECKSTEAD, N. On the overwhelming importance of shaping the far future. Tese (Doutorado em Filosofia). New Brunswick: Rutgers University, 2013.

ÉTICA ANIMAL. A importância do futuro. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 24 out. 2018.

FARIA, C.; HORTA, O. Welfare biology. In: FISCHER, B. (org.). The routledge handbook Of animal ethics. New York/London: Routledge – Taylor & Francis group, 2020, p. 455-66.

GREAVES, H. & MACASKILL, W. The case for strong longtermism. Global Priorities Institute, v. 7, set. 2019.

PARFIT, D. Reasons and persons. Oxford: Oxford University Press, 1984.

SORYL, A. A.; MOORE, A. J.; SEDDON, P. J.; KING, M. R. The Case for Welfare Biology. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, v. 34, n. 7, 2021.


Notas

[1] Isso vem sendo conhecido como longoprazismo. Para uma introdução ao longoprazismo, ver Ética Animal (2018) Para mais informações, ver Parfit (1984, p. 351-443); Beckstead (2013) e Greaves e Macaskill (2019).

[2] A biologia do bem-estar é a área que estudaria como os animais em seus ambientes são afetados do ponto de vista do seu bem-estar (e não do ponto de vista da conservação de espécies ou ecossistemas). Sobre biologia do bem-estar, ver Faria e Horta (2020) e Soryl et. al. (2021).

[3] Sobre riscos-s, ver Baumann (2022).


A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.