O que já vem sendo feito para ajudar os animais selvagens?

Luciano Carlos Cunha[1]

Há quem acredite que a proposta de ajudar os animais selvagens, apesar de ter bons fundamentos teóricos[2], é impraticável. A maneira de responder a isso é simplesmente mostrar o que já vem sendo feito para ajudar os animais na natureza.

Várias coisas já vêm sendo feitas para ajudar os animais que estão na natureza. Normalmente esses programas de ajuda possuem metas antropocêntricas ou ambientalistas. Contudo, os animais se beneficiam também, e isso, por si só, já mostra que é falso que não há nada que se possa fazer para ajudá-los. Além disso, o conhecimento obtido a partir desses programas pode ser útil para orientar futuros projetos que tenham como objetivo ajudar os animais.

Dentre as formas pelas quais os animais já vem sendo ajudados[3], podemos destacar a vacinação e tratamento de doenças, a ajuda a animais em incêndios e em outros desastres naturais, a assistência a animais órfãos, o resgate de animais presos e programas para atender as necessidades básicas dos animais. A seguir, estão alguns exemplos dessas formas de ajuda.

Vacinação

Existem muitos exemplos de vacinação de animais selvagens em larga escala. A mais conhecida é a vacinação contra a raiva, que aconteceu em vários países e ajudou a erradicar a doença em grandes porções da Europa e da América do Norte[4]. A vacinação é feita por meio de dispersão aérea de biscoitos que contém a vacina[5]. O uso de drones permite vacinar 4.000 animais por dia[6]. Programas similares foram implementados ao redor do mundo, incluindo a vacinação de cães selvagens na África[7] e Ásia[8], e de lobos na Etiópia[9].

A peste silvestre em cães-da-pradaria tem taxas de mortalidade próximas a 100%[10] mas, após uma vacinação em 2019 na Dakota do Sul, os animais apresentaram uma taxa de sobrevivência de 95%[11]. A vacinação contra o antraz se mostrou eficaz em populações de rinocerontes, zebras e guepardos[12], e já foi proposta também para gorilas[13]. Javalis foram vacinados contra a tuberculose em condições naturais de transmissão em 2011[14]. Pesquisas na universidade de Helsinki descobriram que é possível vacinar milhares de abelhas simplesmente vacinando a rainha[15]. No Reino Unido há um Banco de Vacinas e Antígenos[16]. Por meio da vacinação, a peste bovina se tornou a segunda doença a ser completamente erradicada na história (a primeira foi a varíola) e a primeira entre as que afetam animais não humanos[17].

Tratamento de doenças

Probióticos têm sido utilizados para tratar vombates contra a sarna[18]; peixes contra vários tipos de infecções[19]; morcegos contra a síndrome do nariz branco (o que aumentou as taxas de sobrevivência de 8% para 46%[20]) e sapos boreais contra doenças de pele (o que fez com que tivessem uma taxa de sobrevivência de 40% mais alta do que os outros sapos[21]). Há também pesquisas sobre tratamentos probióticos para cobras[22] e abelhas[23].

Desde a década de 1940 a esterilização de insetos tem sido utilizada para deter a propagação de doenças, o que beneficia tanto os animais que seriam picados quanto os insetos, uma vez que, dada a sua dinâmica populacional[24], de todos os que nascem, poucos conseguem sobreviver[25].

Tratamento de animais em necessidade

Os animais têm sido ajudados também quando estão feridos. Por exemplo, pássaros e morcegos trazidos a centros de assistência com fraturas nas asas geralmente conseguem uma recuperação completa[26]. Outra prática de ajuda é o resgate de animais presos, como baleias presas em blocos de gelo[27], elefantes em lagos de lama[28] e animais encalhados em praias[29]. O fornecimento de alimento combinado com contraceptivos também tem tido bons resultados[30].

Existem orfanatos para animais selvagens na África do Sul, no Quênia e na República do Congo[31]. Tartarugas filhotes têm sido ajudadas também a chegar na água quando saem dos ovos[32]. Os animais também têm sido resgatados em desastres como incêndios[33], furacões e tsunamis[34], erupções vulcânicas[35] e em enchentes[36].

Por vezes os animais também são ajudados com a construção de abrigos ou ninhos[37], o que tem beneficiados morcegos[38], pombos[39], coelhos[40] e mariposas[41]. A construção de planaltos artificiais no Parque Nacional de Kaziranga, na Índia, fez com que a quantidade de mortes de animais de grande porte em enchentes caísse pela metade em dois anos[42].

Esses são apenas alguns exemplos do que já vem sendo feito para ajudar os animais na natureza. Entretanto, muito mais poderia ser feito. Um exemplo seria o estabelecimento do campo da biologia do bem-estar[43], que estudaria os animais em seus ecossistemas do ponto de vista do que os afeta enquanto indivíduos sencientes que possuem um bem-estar (e não enquanto exemplares de espécies e componentes de ecossistemas).

REFERÊNCIAS

ABBOTT, R. C.; ROCKE, T. E. Plague: U.S. Geological Survey circular 1372. Madison: National Wildlife Health Center, 2012.

AIREY, J. Wild animals, pets rescued during the flood. ARLnow, 26 jul. 2019.

AKANDE, Z. Man dives into flash flood, fills his boat up with animals. The Dodo, 3 nov. 2016.

ALPHEY, L. et al. Sterile-insect methods for control of mosquito-borne diseases: An analysis. Vector-Borne and Zoonotic Diseases, v. 10, p. 295-311, 2010.

ANIMAL ETHICS. Introduction to wild animal suffering: A guide to the issues. Oakland: Animal Ethics, 2020.

BAER, G. M.; ABELSETH, M. K.; DEBBIE, J. G. Oral vaccination of foxes against rabies. American Journal of Epidemiology, v. 93, p. 487-490, 1971.

BOVENKERK, B.; STAFLEU, F.; TRAMPER, R.; VORSTENBOSCH, J.; BROM, F. W. A. To act or not to act? Sheltering animals from the wild: A pluralistic account of a conflict between animal and environmental ethics. Ethics, Place and Environment, v. 6, p. 13-26, 2003.

CARRINGTON, D. Ethiopia deploys hidden rabies vaccine in bid to protect endangered wolf. The Guardian, London, 22 ago. 2018.

CHILDS, J. E.; ROBINSON, L. E.; SADEK, R.; MADDEN, A.; MIRANDA, M. E.; MIRANDA, N. L. Density estimates of rural dog populations and an assessment of marking methods during a rabies vaccination campaign in the Philippines. Preventive Veterinary Medicine, v. 33, p. 207-218, 1998.

CLEAVELAND, S. et al. dog rabies vaccination campaign in rural Africa: impact on the incidence of dog rabies and human dog-bite injuries. Vaccine, v. 21, p. 1965-1973, 2003.

COOPER, S. M.; GINNETT, T. F. Potential effects of supplemental feeding of deer on nest predation. Wildlife Society Bulletin, v. 28, p. 660-666, 2000.

CUNHA, L. C. Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas. Curitiba: Appris, 2022a.

DEPARTMENT FOR ENVIRONMENT, FOOD AND RURAL AFFAIRS. Vaccination as a control tool for exotic animal disease: Key considerations. London: Department for Environment, Food and Rural Affairs, 2010.

DYCKN, V. A.; HENDRICHS, J.; ROBINSON, A. S. (org.). Sterile insect technique. Dordrecht: Springer, 2005.

EL KHOURY, S. et al. Deleterious interaction between Honeybees (Apis mellifera) and its microsporidian intracellular parasite Nosema ceranae was mitigated by administrating either endogenous or allochthonous gut microbiota strains. Frontiers in Ecology and Evolution, v. 6, ano 58, 2018.

ÉTICA ANIMAL. A situação dos animais na natureza. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 23 out. 2016a.

ÉTICA ANIMAL. Ajudando os animais na natureza. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 23 out. 2016b.

ÉTICA ANIMAL. Biologia do bem-estar. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 8 jul. 2019b.

ÉTICA ANIMAL. Dinâmica de populações e o sofrimento dos animais. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 27 out. 2015b.

FARIA, C.; HORTA, O. Welfare biology. In: FISCHER, B. (org.). The routledge handbook Of animal ethics. New York/London: Routledge – Taylor & Francis group, 2020, p. 455-66.

FEARNEYHOUGH, M. G. et al. Results of an oral rabies vaccination program for coyotes. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 212, p. 498-502, 1998.

FERNÁNDEZ-OLALLA, M.; MARTÍNEZ-JAUREGUI, M.; GUIL, F.; SAN MIGUEL-AYANZ, A. Provision of artificial warrens as a means to enhance native wild rabbit populations: What type of warren and where should they be sited?. European Journal of Wildlife Research, v. 56, p. 829-837, 2010.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). Campaign against deadly cattle plague ending. [S.l.], 2010.

FORSCHUNGSVERBUND, B. Environmentally friendly control of common disease infecting fish and amphibians. ScienceDaily, [s.l.], 2019.

GARRIDO, J. M. et al. Protection against tuberculosis in Eurasian wild boar vaccinated with heat-inactivated. Mycobacterium bovis. Plos One, v. 6, e24905, 2011.

GEROVA, V. Koala mum and joey rescued as fires tear through bushland. 10 Daily, [s.l.], 7 set. 2019.

GILLINGWATER, S. D. Effectiveness of nest protection and artificial egg incubation for turtles in Ontario. Toronto Zoo, [s.l.], 2008.

GOODWIN, D. Comparative ecology of pigeons in inner London. British Birds, v. 53, p. 201-212, 1960. Acesso em: 14 abr. 2019.

GUHA, N.; GHOSH, S. Wildlife and people work together during Assam’s annual tryst with floods. Mongabay, 23 jul. 2019.

HANSELL, M.; HANSELL, M. H. Animal architecture. New York City: Oxford University Press, 2005.

HILL, A. J. et al. Common cutaneous bacteria isolated from snakes inhibit growth of Ophidiomyces ophiodiicola. EcoHealth, v. 15, p. 109-120, 2018.

HOPKINS, M. C.; SOILEAU, S. C. U. S. Geological Survey response to white-nose syndrome in bats: U.S. Geological Survey Fact Sheet 2018–3020. Reston: U.S. Geological Survey, 2018.

HORTA, O. Debunking the Idyllic View of Natural Processes: Population Dynamics and Suffering in the Wild. Télos, v. 17, p. 73-88, 2010b.

HOYT, J. R. et al. Field trial of a probiotic bacteria to protect bats from white-nose syndrome. Scientific Reports, v. 9, p. 1-9, 2019.

JONES, D. An appetite for connection: Why we need to understand the effect and value of feeding wild birds. Emu: Austral Ornithology, v. 111, p. 1-7, 2011.

KITALA, P. M. et al. Comparison of vaccination strategies for the control of dog rabies in Machakos District, Kenya. Epidemiology and Infection, v. 129, p. 215-222, 2002.

KOALA INFO. Koalas and Australia’s bushfires. Koalainfo.com, [s.l.], 2019.

KUENEMAN, J. G. et al. Probiotic treatment restores protection against lethal fungal infection lost during amphibian captivity. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, [s.l.], v. 283, p. 18-39, 2016.

LAUSEN, C. L.; BARCLAY, R. M. Benefits of living in a building: big brown bats (Eptesicus fuscus) in rocks versus buildings. Journal of Mammalogy, v. 87, p. 362-370, 2006.

LEGGETT, H. Plague vaccine for prairie dogs could save endangered ferret. Wired, 4 ago. 2009.

LOTT, D. F. Feeding wild animals: The urge, the interaction and the consequences. Anthrozoös, v. 4, p. 232-236, 1996.

MACINNES, C. D. et al. Elimination of rabies from red foxes in eastern Ontario. Journal of Wildlife Diseases, v. 37, p. 119-132, 2001.

MACINNES, C. D.; LEBER, C. A. Wildlife management agencies should participate in rabies control. Wildlife Society Bulletin, v. 28, p. 1156-1167, 2000.

MARTIN, A. R. Whales and dolphin, London: Salamander, 1991.

ORROS, M. E.; FELLOWES, M. D. E. Supplementary feeding of wild birds indirectly affects the local abundance of arthropod prey. Basic and Applied Ecology, v. 13, p. 286-293, 2012.

PAL, S. K. Population ecology of free-ranging urban dogs in West Bengal, India. Acta Theriologica, v. 46, p. 69-78, 2001.

PARKER, A.; MEHTA, K. Sterile insect technique: A model for dose optimization for improved sterile insect quality. Florida Entomologist, v. 90, p. 88-95, 2007.

RAUKKO, E. The first-ever insect vaccine PrimeBEE helps bees stay healthy. University of Helsinki, 31 out. 2018.

ROBB, G. N. et al. Winter feeding of birds increases productivity in the subsequent breeding season. Biology Letters, v. 4, p. 220-223, 2008.

ROBBINS, A. H. et al. Prevention of the spread of rabies to wildlife by oral vaccination of raccoons in Massachusetts. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 213, p. 1407-1412, 1998.

SLATE, D. et al. Status of oral rabies vaccination in wild carnivores in the United States. Virus Research, v. 111, p. 68-76, 2005.

SORYL, A. A.; MOORE, A. J.; SEDDON, P. J.; KING, M. R. The Case for Welfare Biology. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, v. 34, n. 7, 2021.

STECK, F. et al. Oral immunization of foxes against rabies. Laboratory and field studies. Comparative Immunology, Microbiology and Infectious Diseases, v. 5, p. 165-171, 1982.

TURNBULL, P. C. B. et al. Vaccine-induced protection against anthrax in cheetah (Acinonyx jubatus) and black rhinoceros (Diceros bicornis). Vaccine, v. 22, p. 3340-3347, 2004.

WORLD ANIMAL PROTECTION. Rescuing burnt and injured animals in the Philippines after Mayon Volcano eruption. World Animal Protection, 31 jan. 2018.


NOTAS

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Para os fundamentos dessa proposta, ver Cunha (2022a) e Animal Ethics (2020). Sobre a situação típica dos animais que se encontram na natureza, ver Ética Animal (2016a).

[3] Mais detalhes sobre essas formas de ajuda podem ser encontrados em Ética Animal (2016b) e Animal Ethics (2020).

[4] Animal Ethics (2020, p. 75); Baer et al. (1971); Fearneyhough et al. (1998); Robbins et al.(1998); Macinnes; Leber (2000); Maccinnes et al. (2001); Slate et al. (2005); Steck et al. (1982).

[5] Animal ethics (2020, p. 76); Department for Environment, Food and Rural Affairs (2010).

[6] Animal ethics (2020, p. 78).

[7] Cleaveland et al. (2003); Kitala et al. (2002).

[8] Childs et al.(1998); Pal (2001).

[9] Carrington (2018).

[10] Abbot; Rocke (2012)

[11] Leggett (2009)

[12] Turnbull et al. (2004).

[13] Animal ethics (2020, p. 79).

[14] Garrido et al. (2011).

[15] Animal ethics (2020, p. 80), Raukko (2018).

[16] Department for Environment, Food and Rural Affairs (2010).

[17] Fao (2010).

[18] Animal ethics (2020, p. 67-8).

[19] Forschungsverbund (2019)

[20] Hopkins; Soileau (2018); Hoyt et al. (2019).

[21] Animal ethics (2020, p. 68); Kueneman et al. (2016).

[22] Hill et al. (2018).

[23] El Khoury et al. (2018); Animal Ethics (2020, p. 69).

[24] Sobre como a dinâmica populacional afeta o sofrimento e as taxas de mortalidade dos animais, ver Horta (2010b) e Ética Animal (2015b).

[25] Dyckn; Hendrichs; Robinson (2005); Parker; Metha (2007); Alphey et al. (2010).

[26] Animal Ethics (2020, p. 70).

[27] Animal Ethics (2020, p. 61).

[28] Animal Ethics (2020, p. 61).

[29] Martin (1991).

[30] Lott (1996, p. 232-3); Cooper; Ginnett (2000); Robb et al. (2008); Orros; Fellowes (2012); Jones (2011).

[31] Animal ethics (2020, p. 70).

[32] Animal ethics (2020, p. 70); Gillingwater (2008).

[33] Gerova (2019), Koala Info (2019) e Animal Ethics (2020, p. 63).

[34] Animal ethics (2020, p. 65).

[35] World Animal Protection (2018).

[36] Akande (2016); Guha; Ghosh (2019); Airey (2019).

[37] Bovenkerk et al. (2003); Hansell; Hansell (2005, p. 216-7).

[38] Lausen; Barclay (2006)

[39] Goodwin (1960).

[40] Fernández-olalla et al. (2010).

[41] Hansell e Hansell (2005, p. 216-7); Fernández-olalla et al. (2010).

[42] Guha e Ghosh (2019).

[43] Sobre biologia do bem-estar, ver Ética Animal (2019b), Faria e Horta (2020) e Soryl et. al. (2021).


A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.