Luciano Carlos Cunha[1]
O critério da senciência defende que devemos dar consideração moral a todos os seres que tiverem a capacidade de ter experiências, como sofrimento e prazer. O critério da senciência por vezes é acusado de cometer uma discriminação baseada nos reinos, por incluir na esfera de consideração moral os membros do reino animal e excluir os membros de outros reinos, como plantas e fungos.
Entretanto, os proponentes do critério da senciência não afirmam que devemos considerar os seres sencientes porque essa é uma característica do reino animal. Em vez disso, defendem que consideremos boa parte dos animais porque são sencientes e, portanto, são passíveis de serem prejudicados e beneficiados.
Embora todo ser senciente encontrado até hoje pertença ao reino animal, há membros do reino animal que, devido a não terem um sistema nervoso, ou não o terem minimamente organizado, não são sencientes[2] (como as esponjas e as hidras, por exemplo). Os proponentes do critério da senciência não defendem considerar esses animais (pois não há possibilidade de serem prejudicados e/ou beneficiados).
Se algum dia fosse descoberto que, por exemplo, certo vegetal ou fungo, é senciente, então o critério da senciência incluiria-o na esfera de consideração moral, dando-lhe igual consideração. Entretanto, não há até hoje evidências de algo assim.
No futuro, se vierem a existir robôs ou máquinas sencientes, seres sencientes em meios digitais, ou qualquer outra forma de senciência, o critério da senciência os incluiria na esfera de consideração moral, dando-lhes igual consideração (pois seriam passíveis de serem prejudicados e/ou beneficiados)[3].
Portanto, a acusação de “reinismo” não se sustenta. O critério da senciência é diferente do critério “pertencer ao reino animal”.
REFERÊNCIAS
ÉTICA ANIMAL. Critérios para reconhecer a senciência. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 24 out. 2015a.
ÉTICA ANIMAL. Que seres não são conscientes? Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 19 out. 2015e.
TOMASIK, B. Why digital sentience is relevant to animal activists. Animal Charity Evaluators. 03 fev. 2015b.
NOTAS
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
[2] Sobre isso, ver Ética Animal (2015e).
[3] Sobre por que deveríamos nos preocupar seriamente com a possibilidade da senciência não orgânica, ver Tomasik (2015b).
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.
