Luciano Carlos Cunha[1]
Por vezes, a proposta de ajudar os animais selvagens[2] é acusada de enxergar os humanos como algo à parte da natureza. De acordo com essa objeção, se os humanos se vissem como parte da natureza, defenderiam deixar a natureza seguir o seu curso, em vez de tentar diminuir o sofrimento e as mortes dos animais que decorrem de processos naturais.
Uma resposta a essa objeção envolve apontar que, na verdade, é a posição contrária a ajudar que parece ver os humanos como algo separado da natureza, pois considera que, se os humanos influenciam em uma situação, então por isso ela se torna menos natural.
Nesse ponto, poderia ser objetado que, nessa concepção, o que é considerado não natural é o produto das ações humanas, e não os próprios humanos. De acordo com essa concepção, os humanos são parte da natureza, mas um ecossistema que sofreu interferência humana já não é mais natural. Entretanto, se uma concepção considera os humanos como parte da natureza, então não faz sentido afirmar que uma situação não é natural só porque é produto de ações humanas.
Poderia ser objetado que, mesmo que os humanos e o resultado de suas ações sejam igualmente naturais, é um fato que a proposta de ajudar os animais selvagens contraria processos naturais (como fome, sede, doenças etc.). Entretanto, disso não se segue que, então é errado ajudar os animais. Só se seguiria se fosse sempre errado contrariar processos naturais. Por exemplo, se aceitamos a tese de que, quanto menos sofrimento e mortes prematuras no mundo, melhor, então rejeitamos a ideia de que devemos deixar a natureza seguir o seu curso. Isso já é aceito quando os humanos são as vítimas. É considerado plenamente justificado ajudar os humanos vítimas de processos naturais. Portanto, se o especismo é injustificável, então é injustificável ter uma atitude diferente quanto os animais não humanos são as vítimas.
REFERÊNCIAS
ANIMAL ETHICS. Introduction to wild animal suffering: A guide to the issues. Oakland: Animal Ethics, 2020.
CUNHA, L. C. Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas. Curitiba: Appris, 2022a.
ÉTICA ANIMAL. A situação dos animais na natureza. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 23 out. 2016a.
ÉTICA ANIMAL. Ajudando os animais na natureza. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 23 out. 2016b.
HORTA, O. Debunking the Idyllic View of Natural Processes: Population Dynamics and Suffering in the Wild. Télos, v. 17, p. 73-88, 2010b.
NOTAS
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
[2] Sobre a situação típica dos animais que se encontram na natureza, ver Ética Animal (2016a) Animal Ethics (2020) e Horta (2010b). Para os fundamentos filosóficos da proposta de ajudá-los, ver Cunha (2022a). Para exemplos de programas de ajuda aos animais selvagens, ver Ética Animal (2016b) e Animal Ethics (2020).
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.
