Luciano Carlos Cunha[1]
Considere as seguintes afirmações:
(1) “Não há nada de errado com a exploração animal, pois os animais estão sendo criados para essa finalidade”;
(2) “Comer animais é certo porque é natural”;
(3) “A exploração animal deve continuar, do contrário várias tradições seriam perdidas”;
(4) “É essencial que a exploração animal continue, pois muitas pessoas tiram seu sustento a partir dela”
(5) “O problema com a exploração animal é o seu impacto ambiental, portanto, não há nada de errado se for feita de modo sustentável”;
(6) “O problema é a exploração animal industrial, não há nada de errado se os animais forem caçados ou pescados diretamente”;
(7) “Se o sofrimento dos animais for minimizado durante a exploração, então a exploração é justificada”.
(8) O problema não é a exploração animal, mas o capitalismo. Portanto, não há nada de errado com a exploração animal se ela ocorrer dentro de outros modelos econômicos.
Imagine agora que as mesmas justificativas fossem oferecidas para criar e matar humanos para consumir sua carne, fazer vestimentas com sua pele, usá-los como modelo de testes, para puxar carroças ou outros tipos de serviços, ou para serem mortos em rituais.
Nenhuma dessas justificativas seria considerada aceitável. Entretanto, todas aquelas razões que tornam injusto fazer tais coisas com humanos implicam automaticamente que é injusto fazer as mesmas coisas com animais não humanos. A injustiça em fazer tais coisas com humanos não é porque eles pertencem à espécie humana, ou porque determinados humanos possuem certas capacidades ou certas relações entre si. A injustiça está no fato de o bem-estar das vítimas receber um peso menor do que o daqueles que se beneficiariam com tais práticas.
Por exemplo, discriminações como o racismo e o sexismo desfavorecem tendenciosamente quem nasce em certos grupos. Mas, o mesmo é verdade para o caso do especismo. Nascer como membro de determinada raça, gênero ou espécie, além de ser algo que ninguém escolhe, é um fator que depende da sorte, e não de mérito. Assim, aquilo que realmente explica por que seria injusto fazer tais coisas com humanos implica automaticamente que é injusto fazer o mesmo com qualquer outro ser senciente de outra espécie.
Uma das implicações disso é que, então, não há justificativa para a exploração animal, pois é uma prática especista que discrimina contra quem não pertence à espécie humana.
Notas
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.
