Luciano Carlos Cunha[1]
Os animais explorados vivem uma vida de sofrimento extremo e são mortos porque há demanda por produtos de origem animal. Toda vez que pagamos por produtos de origem animal, fazemos com que mais animais nasçam para sofrer todos aqueles horrores.
Uma maneira de combater isso é adotando um modo de vida vegano. O veganismo consiste em tentar evitar, o máximo possível, prejudicar os animais. Não é a mesma coisa que o não consumo de produtos de origem animal, independentemente do motivo. Em referência a este último emprega-se o termo vegetarianismo (ainda que, por vezes, seja defendido que o vegetarianismo é compatível com o consumo de certos produtos de origem animal, mas isso é questionável). As pessoas que são veganas, obviamente, se alimentam sem produtos de origem animal. Porém, o veganismo diz respeito a rejeitar a exploração animal em todas as suas esferas, e não somente na alimentação.
Além disso, ainda que faça sentido alguém se dizer vegetariano por razões antropocêntricas (como a preocupação com a própria saúde) ou por razões ambientalistas, o veganismo é centrado na consideração pelos animais não humanos. O veganismo envolve rejeitar a exploração animal mesmo quando esta não prejudica os humanos ou é feita de maneira ambientalmente sustentável.
Por vezes é dito que, se o veganismo é fundado no respeito por todos os seres sencientes (isto é, todos os seres capazes de ter experiências positivas e negativas), então obviamente que o veganismo também é pelos humanos, pois também são seres sencientes. Entretanto, são os animais não humanos que são criados para serem mortos e usados como comida, vestimenta, modelo de testes, ferramentas etc. Os humanos sofrem por conta de várias discriminações, mas normalmente os animais não humanos são tratados de maneira muito pior do que são os humanos. Coisas que são feitas rotineiramente aos animais não humanos e são amplamente aceitas seriam consideradas monstruosas e hediondas se feitas a humanos. É por essa razão que é necessário existir um termo para denominar a posição que enfatiza que também é injusto explorar quem não pertence à espécie humana, e esse termo é veganismo.
É verdade, por vezes a palavra veganismo é utilizada como significando evitar usar produtos de origem animal, independentemente do motivo. Entretanto, quando a palavra é utilizada dessa maneira, surgem dois problemas. O primeiro, é que então não haveria nenhuma diferença entre veganismo e vegetarianismo. O segundo, é que então não há mais uma palavra para identificar a posição que evita prejudicar os animais por respeito aos próprios animais.
Imaginemos, então, que fosse criada uma nova palavra para identificar essa posição (exatamente como aconteceu com a palavra veganismo). Com o tempo, assim como aconteceu com a palavra veganismo, é possível que algumas pessoas passassem a utilizar essa palavra em referência a evitar o consumo de produtos de origem animal, independentemente do motivo (e assim por diante para novos termos que fossem criados para substituir os anteriores). O resultado é que nunca haveria um termo para identificar a posição que evita prejudicar os animais por respeito aos próprios animais, pois toda vez que um termo assim fosse criado, teria seus significado distorcido para enfraquecer o foco do respeito aos animais.
É por essa razão que talvez a tentativa de mudança no significado do termo veganismo seja proposital, pois ao se afirmar que o veganismo não precisa ser pelos animais, e pode ser pelos humanos ou pelo meio ambiente, esconde-se que a exploração animal é injusta mesmo se não prejudicar humanos ou o meio ambiente.
Por essas razões, o veganismo, além de ser uma forma de tentar evitar causar dano aos animais, pode ser também uma forma de expor a injustiça que sofrem os animais não humanos. Isso acontece quando as pessoas explicam o motivo pelo qual são veganas, explicando que a exploração animal é resultado da discriminação contra quem não pertence à espécie humana e que, por conta dessa discriminação, são feitas diariamente coisas terríveis aos animais não humanos, que jamais seriam consideradas aceitáveis se fossem feitas a humanos.
Notas
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.
