Luciano Carlos Cunha[1]
Por vezes é dito que, se já é difícil que as pessoas aceitem considerar os humanos, que dirá considerar os animais não humanos. Com base nisso, por vezes é defendido que devemos lutar pelos humanos e deixar para as próximas gerações a defesa dos animais não humanos.
Uma maneira de responder a essa sugestão é apontar que, se é difícil que as pessoas aceitem considerar os animais, então adiar defendê-los é uma péssima estratégia. Normalmente, o quanto antes uma ideia começa a ser defendida, antes ela começa a ter consequências práticas. Por exemplo, imagine que o especismo tivesse sido amplamente questionado desde a antiguidade. Muito provavelmente as coisas seriam diferentes para os animais hoje. Aliás, um dos principais motivos pelo qual há pessoas que resistem abandonar o especismo é o próprio fato de não terem tido contato com os argumentos contra o especismo, uma vez que a igual consideração de todos os seres sencientes não é ainda uma ideia amplamente difundida. Então não há por que adiar falar a favor dos animais. Aliás, não há um minuto sequer a se perder.
Além disso, a sugestão em questão assume que não é possível considerar os animais enquanto há outras pessoas que não aceitam considerar humanos. Isso é falso. Há cada vez um número maior de pessoas rejeitando o especismo. O fato de haver pessoas racistas, sexistas e especistas não impede outras pessoas de aceitarem a igualdade para todos os seres sencientes.
Cada pessoa individualmente faz bastante diferença para os animais afetados por suas decisões. Portanto, mesmo que fosse impossível convencer uma maioria, ainda valeria a pena tentar convencer o máximo de pessoas que conseguíssemos. Além disso, não há nada que comprove que a maioria não aceitaria os argumentos contra o especismo, pois a maioria das pessoas não conhece ainda tais argumentos.
Assim, é no mínimo suspeita a sugestão de que é inútil lutar pelos animais enquanto houver desrespeito contra humanos. Apesar de ser apresentada como sugestão para melhorar a situação dos animais, é possível que seu objetivo real seja impedir a luta pelos animais.
Por exemplo, imagine que fosse sugerido abandonar a defesa de mulheres e de crianças até que todos os homens adultos sejam respeitados, alegando que essa é a melhor forma de conseguir o respeito por mulheres e crianças. Parece que, ao contrário do que é afirmado, o que se está a dizer é que mulheres e crianças valem menos, mas de maneira disfarçada.
Da mesma maneira, a sugestão que estamos a discutir pode ser uma sugestão especista disfarçada. Enquanto um especista declarado diria “os humanos devem ser colocados em primeiro lugar porque são superiores”, um especista disfarçado diria “a melhor forma de conseguir ajudar os animais não humanos é colocar os humanos em primeiro lugar”. Entretanto, ambos propõem exatamente a mesma coisa.
NOTAS
[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas (2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.
A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.
