O que é senciência e por que ela é importante?

Luciano Carlos Cunha[1]

Se o que é relevante para saber a quem dar consideração moral é saber quem é passível de ser prejudicado e beneficiado, então, é importante investigar o que torna alguém passível de ser prejudicado e beneficiado. É aí que reside a importância da senciência[2].

O termo “senciência” é utilizado no debate em ética animal como um sinônimo de consciência. Diz respeito a toda e qualquer experiência que alguém poderia ter, desde as mais simples. É aquilo que faz com que haja alguém, um indivíduo habitando um corpo, e não meramente um corpo vivo, vazio. É o que separa, de um lado, um humano, um cão, um peixe e uma abelha[3] e, de outro, um sapato, uma planta, uma bactéria e um fungo. Assim, a senciência determina quem é passível de ser prejudicado ou beneficiado porque é ela, em primeiro lugar, que determina quando há alguém e não, meramente, algo.

Além disso, outra característica da senciência, essencial para haver a possibilidade de prejuízo e benefício, é que as experiências possuem o que se chama de valência[4] – isto é, elas podem ser experimentadas como positivas ou negativas.

Por essa razão, há duas maneiras básicas pelas quais um ser senciente é prejudicado: com a presença daquilo que lhe for negativo (como acontece quando sofre, por exemplo) e pela ausência daquilo que lhe for positivo (como acontece quando morre ou é, de alguma outra maneira, impedido de desfrutar algo que o beneficiaria).

Analogamente, há duas maneiras básicas pelas quais um ser senciente é beneficiado: com a presença daquilo que lhe for positivo (como acontece quando sente prazer, por exemplo) e pelo impedimento daquilo que lhe for negativo (como acontece quando um sofrimento é aliviado, por exemplo).

É por essa razão que os animais não humanos precisam de consideração. Não é porque pertencem ao reino animal, ou porque estão vivos em um sentido biológico (como estão as plantas, por exemplo).         

Portanto, para saber quais seres considerar, é importante saber quais são sencientes. Como podemos investigar isso? Abordaremos esse tópico aqui.

REFERÊNCIAS

BENTHAM, J. Introduction to the principles of moral and legislation. Oxford: Oxford University Press, 1996 [1789].

BROOM, D. M. Sentience and animal welfare. Wallingford: CABI, 2014.

CUNHA, L. C. Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente. Curitiba: Appris, 2021.

ÉTICA ANIMAL. Senciência em invertebrados: uma revisão da literatura neurocientífica. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 20 ago. 2019a.

ÉTICA ANIMAL. Senciência em invertebrados: uma revisão das evidências comportamentais. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 20 jul. 2022b.

ÉTICA ANIMAL. Uma fisiologia ilustrada do sistema nervoso de invertebrados. Ética Animal: ativismo e investigação em defesa dos animais, 3 set. 2021d.

FRIDJA, N.H. The Emotions. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

HORTA, O. Moral Considerability and the Argument from Relevance. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, v. 31, n. 3, p. 369-388, 2018a.

MATHER, J. A.; ANDERSON, R. C. Ethics and invertebrates: A cephalopod perspective. Diseases of Aquatic Organisms, v. 75, p. 119-129, 2007.

SINGER, P. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002 [1979].


NOTAS

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral no Brasil das atividades da organização Ética Animal (www.animal-ethics.org/pt). É autor dos livros Uma breve introdução à ética animal: desde as questões clássicas até o que vem sendo discutido atualmente (2021) e Razões para ajudar: o sofrimento dos animais selvagens e suas implicações éticas(2022). Publicou também capítulos em outras obras e artigos em periódicos especializados, que podem ser lidos aqui: https://ufsc.academia.edu/LucianoCunha. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org.

[2] Para exemplos de defesas do critério da senciência, ver Bentham (1996[1989], p. 282n); Singer (2002 [1979], p. 67); Horta (2018a) e Cunha (2021, p. 57-61).

[3] Sobre senciência em invertebrados, ver Smith (1991); Mather (2001); Mather e Anderson (2007); Broom (2014) e Ética Animal (2019a, 2021d, 2022b).

[4] Para uma definição de valência, ver Fridja (1986, p. 207).


A produção deste texto foi financiada pela organização Ética Animal.